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concepção da ideia

          Neste trabalho buscamos desenvolver um projeto que abordasse características futuristas mas que, ao mesmo tempo permitisse a abertura de um debate que problematizasse as questões políticas e ideológicas do movimento. Para isso, pensamos em fazer uma roupa que necessariamente, fosse vestida por uma mulher, uma vez que nota-se a gritante presença do machismo na estruturação de diversas posturas adotadas pelo movimento. 

        Neste sentido, começaremos por uma parte além da peça vestível: a pirâmide. Nota-se que o movimento futurista propôs uma expansão em suas áreas de atuação, indo além das representações visuais e angariando medidas para que sua filosofia ideológica se fizesse presente na sociedade por diferentes meios. Assim, o futurismo não apenas se atentou para a produção de moda, mas também para a idealização e sistematização de um novo design. Dessa forma, expandimos a proposta do trabalho para algo que comportasse não apenas o vestível, mas também nos fizesse explorar outras áreas que possibilitassem a potencialidade e construção de um conceito dentro desta temática. 

         O uso da pirâmide está atrelado ao Manifesto de la Donna Futurista, redigido por Valentine de Saint-Point, que se opôs à proposta Futurista de Marinetti. É preciso reconhecer que o Futurismo se estabelece como sendo um movimento de cunho fortemente machista, característica essa que perdura na Itália até os dias atuais. Ao escrever o manifesto, Valentine faz pontuações, extremamente significativas em relação a postura de Marinetti, como se vê a seguir: 

          O complexo da humanidade nunca foi mais do que o terreno fértil de onde saltaram os gênios e heróis dos dois sexos. Mas, na humanidade e na natureza, há momentos mais propícios ao florescimento. Nos verões da humanidade, quando o solo é queimado pelo sol, abundam os gênios e heróis. Estamos no início de uma primavera: ainda não temos uma profusão de sol, isso é muito sangue derramado. As mulheres, como os homens, não são responsáveis ​​pelo sofrimento de seres verdadeiramente jovens, ricos em linfa e sangue. É um absurdo dividir a humanidade em homens e mulheres; é composto apenas de feminilidade e masculinidade. Todo super-homem, todo herói, por mais épico, todo gênio, por mais poderoso, é a expressão prodigiosa de uma raça e uma era apenas porque é composto, ao mesmo tempo, de elementos femininos e masculinos, de feminilidade e de masculinidade: isto é, um ser completo.

         Embora em seu manifesto existam passagem passíveis de problematizações que vemos com mais clareza nos dias atuais, ele em si foi um acontecimento significativo. Em uma sociedade machista, que potencializa essa característica ainda mais dado os valores do movimento social e político futurista, uma mulher se levantar para bater de frente com o fundador do futurismo italiano é, indubitavelmente, um ato revolucionário. Nesse sentido, buscamos um elemente que pudesse representar esse rompimento da mulher em relação aos ideais adotados pelo movimento. A escolha da pirâmide se deve a sua estrutura sólida e forte, estática, cortante e ascendente.

        A princípio, a ideia seria que a modelo rasgasse as faces da estrutura em um ato simbólico, onde esta estaria rompendo com a estrutura do movimento fascista, utilizando de sua própria violência contra ele mesmo. No entanto, por questões de práticas e limitações de tempo, isso não foi possível. Para darmos continuidade ao trabalho, fechamos apenas três lados da pirâmide para que fosse possível sair de trás dela no momento da performance. Ainda que o efeito não surtisse tão visceral, foi preciso realizar adaptações ao longo da construção da peça para que esta fosse possível dentro das limitações que se construíram.

         No tocante a iluminação queríamos trazer cores que se contrastassem. A escolha do azul se deve à alusão à tecnologia e às ferramentas mecanizadas que se desenvolveram substancialmente após a Revolução Industrial, onde o Futurismo buscará inúmeras referências para habitar e se construir. O Laranja traz a visceralidade e a vivacidade das cores quentes e luminosas que percebemos não apenas na moda-futurista, mas também nas produções artísticas visuais. 

         Para a produção vestível, foi utilizado como maior referência, as produções de Giacomo Balla, principalmente seu terno e suas produções em pintura. Balla desenvolver o terno para o público masculino e queríamos utilizar dele para apresentar uma nova proposta no corpo feminino. Trouxemos os recortes assimétricos, mas utilizando do preto porque não concordamos que as produções de moda passadas sejam menos significativas. Embora para as roupas femininas os futuristas tenham optado pela silhueta em H, o que é interessante por conta da dinamicidade do corpo, em um primeiro momento retomamos a cintura marcada, uma vez que esta mulher, dentro dos valores futuristas, não estava tão livre assim. 

          Como citado em nosso tópico Arte, moda e fascismo, percebemos que a moda-futurista buscou resinificar a prática cotidiana do vestuário acompanhada de um viés ideológico e político que se aproveitou desse instrumento para instaurar um pensamento em uma sociedade. Começaram a ser levantados modelos e regras que deveriam ser seguidos pela sociedade. Um exemplo disso se deu nas revistas de moda feminina que passavam por uma espécie de censura em que precisavam publicar as peças que seguiam os padrões futuristas. Assim, ironizamos a silhueta em H, apresentando-a com um tom de hipocrisia. A roupa externa abre à maneira de Balla, modelada de maneira geometrizada e assimétrica

            Seguindo, ao retirar o terno preto, nos deparamos com uma saia metálica, também marcada na cintura. Assim como a pirâmide, essa estrutura passou por adaptações. Em  nossa ideia primária, ela seria construída com arame farpado devido ao fascismo que o futurismo potencializou. Quando pensamos nesse Estado de regime totalitário, pensamos em cerceamento não apenas ideológico, mas também físico. A saia funcionaria como uma espécie de aprisionamento, e seu risco traria a proposta violenta que o futurismo levantava; no entanto, com a finalidade de denunciá-lo. Porém, por limitações financeiras e pela fragilidade do tecido usado na roupa externa, isso também se fez inviável para este momento. Assim, a saia foi feita com fitas de zinco retiradas de um ferro velho. Ao utilizarmos desse material, buscamos entrar na proposta de Thayath sobre moda racional, onde reaproveitamos materiais, que são acessíveis para a construção da nossa peça. 

            Dando continuidade a lógica de Thayath, o vestido que é a última camada da peça foi feito com lençol usado e tintas de tecido vencidas. Sua padronagem tomou como referência Giacomo Balla e este, enfim, apresenta a silhueta em “H”. Esta, por sua vez, só aparece quando retiramos o “aprisionamento” que o futurismo representou, neste caso, simbolicamente representado pela saia. 

          Além disso, para o brinco utilizamos um pedaço de escapamento de carro. Este material, coletado no Pro-Infra da própria universidade conversou em demasia com o tema, uma vez que futurismo se atenta muito a motores, dada a Revolução Tecnologica que possibilitou um investimento significativo em automóveis. Os motores não serão apenas representados em pinturas, mas também na própria música futurista, que trouxe sonoridades do cotidiano juntamente com dissonâncias e violência.

         Por fim, na maquiagem buscamos trazer dramaticidade, seriedade, violência e autoridade. A escolha do preto se deveu a sua presença e impacto e o formato pontiagudo faz referência a própria ideia da pirâmide e da violência em si. Além disso, o cabelo preso para a trás teve por finalidade ressaltar o rosto da modelo, pô-la em evidência, onde seu olhar fosse o foco, sua expressão funcionasse como uma mensagem de autoridade e potência junto à roupa.

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