MODA, ARTE E FASCISMO
A arte-moda futurista esteve intimamente ligada com a corrente fascista que se instaurou na Itália no início do século XX. Parte disso se deve ao fato de que uma das principais propostas do movimento era ver o “novo” como um instrumento de destruição e negação do passado e da tradição, além do uso da vestimenta como maneira de arquitetar a manipular os padrões comportamentais esperados da nova sociedade italiana. Com isso, tornou-se mais palpável expandir os ideais políticos futuristas, uma vez que
A moda foi utilizada pelo fascismo funcionando como um delimitador do comportamento na esfera social. E esse encontro foi novo e inovador para a política do século XX. O fascismo tinha como proposta política algo muito semelhante ao que era proposto pelos artistas do futurismo. A extensão política em todas as dimensões da vida social permitiu ao fascismo romper com todos os setores que antes ficavam alicerçados por ética, moral, religião e direito. A imagem do poder é conferida a medida que as diferenças são eliminadas em prol de uma identidade única e comum. Foram essas as aproximações entre sociedade e técnica, entre estética e política, entre igualitarismo e nacionalismo que permitiram ao fascismo absorver todos os ideais do movimento artístico futurista. (ADVERSE, 2012, p.142)
O governo fascista buscava criar um ideal imaginário na sociedade italiana que demarcasse, simbolicamente, a essência de uma nação fomentada pela proposta nacionalista, muito presente nesse contexto. Esta proposta de inovação e exaltação italiana sustentava uma ideia de liderança e poder, que em muito interessava aos ideais políticos; e quando fala-se de moda, pensa-se em uma estrutura de signos transfigurados em vestíveis que se adequam a uma demanda coletiva, ou se inserem em um meio sob um discurso e/ou proposta inovadora, cativando um público. A identificação com a moda futurista, por parte dos italianos, em muito se deve aos manifestos realizados nesse período, que justificavam as criações além de trazerem um discurso intensamente politizado que inflamavam naqueles que os liam, um espírito nacionalista.
Neste período, os futuristas se posicionavam de maneira fortemente contrária às modas adotadas da França e da Inglaterra, consideradas hegemônicas no tocante a produções vestíveis. Com isso, nota-se um rompimento significativo que paralelamente ao ideal nacionalista, acabaram por renegar as propostas de moda internacionais. Isso se estendeu também para a produção têxtil, que teve um crescimento considerável, passando a ser mais valorizada tanto na própria Itália, como nos demais países, o que gerou aumento de capital que veio a acrescentar na economia do país. Entretanto, não pode-se negar tamanho retrocesso que isso foi para a cultura, uma vez que a estatização das produções neste período promoveram um forte controle político que limitou diversos processos de criações artísticas. De acordo com Angélica Adverse em Moda: moderna medida de tempo, “o estado fascista buscava consolidar uma imagem coletiva comum do povo italiano e, para isso, serviu-se das linguagens estéticas, visando promover os valores de uma nova ordem cultural italiana”. O uso do discurso futurista por meio dos manifestos ajudou no impacto que a moda exerceu neste período e auxiliou na incorporação da ideia de valorização do produto interno, que tinha ligação com o sentimento de revolta oriundo da crise econômica promovida pela Primeira Guerra Mundial.
Assim, começa uma inclinação, por parte dos futuristas, de se criar uma roupa essencialmente italiana. Exemplo disso foi Thayaht que não só buscou fazer roupas que se adequassem à realidade cotidiana dos italianos, mas que também rompessem com as nomenclaturas estrangeiras presentes em sua concepção. Thayaht, além de tudo, escreveu diversas anotações ao lado da concepção de sua peça mais famosa: a tuta, trazendo para deu trabalho que chegava a ser didático. O autor da peça acreditava que as produções deveriam ser práticas de forma que seguissem o movimento do corpo, em que o usuário pudesse vesti-la rapidamente; precisava ser útil e versátil; enfatizar as linhas mais belas além de ter cores mais vívidas.
Ao pensarmos no viés ideológico do futurismo ligado à guerra, essas colocações fazem bastante sentido. Os futuristas presam por movimento e dinâmica. Uma roupa versátil poupa tempo em sua colocação, sua versatilidade traz mais possibilidades e dinamicidade; seu caimento no corpo não impede os movimentos. Os traços mais belos tinham de ser enfatizados, afinal, o corpo futurista não poderia ser qualquer corpo, mas sim, um corpo forte, atlético e saudável. As cores vívidas mereciam destaque porque o italiano deveria ser forte, iluminado. Toda essa vitalidade era necessária na sociedade italiana ideal concebida pelos futuristas do início do século XX.
Nesse sentido, observa-se que a ideologia nacionalista buscava criar um “novo italiano” e partindo disso, começaram a ser levantados modelos e regras que deveriam ser seguidos pela sociedade. Um exemplo disso se deu nas revistas de moda que passavam por uma espécie de censura em que precisavam publicar as peças que seguiam os padrões futuristas. Com mais ênfase a partir de 1932, tal prática potencializou, inevitavelmente, a construção desse imaginário na população não apenas porque estavam transitando pelos periódicos, mas também porque eram majoritariamente os vestíveis que a população tinha acesso enquanto moda e tendência. Os futuristas enxergavam a aparência como um suporte de comunicação, que de acordo com Adverse, agenciava a subjetividade do corpo social, de modo a formatar a imagem que o próprio povo italiano poderia construir de si mesmo (ADVERSE, 2012, p. 145). Com isso, pode-se citar um dos pensamentos de Thayath:
“A moda futurista deveria ter um desenvolvimento espontâneo, quase explosivo na Itália. Se isso não acontece, é devido à inerte e estagnada mentalidade daqueles que, na indústria da moda, falam muito mais sobre renovar, mas não tem a coragem de ir além do caminho definido por modelos de Londres e Paris (...) A moda, especialmente a masculina, tem estado em “um beco sem saída”, baseada numa monotonia estética que se pode definir como “tubular”. O que deve ser feito para se libertar desta escravidão? Como poderemos nós renovar a moda? O primeiro passo tem sido rejeitar coletivamente todo tipo de roupa criada sob o triste céu cinzento de algumas metrópoles do norte (...) Felizmente, na Itália, mesmos nos centros industriais, a atmosfera já não é cheia de fuligem, como nas grandes cidades europeias. Consequentemente, nós podemos ter roupas mais iluminadas (claras) límpidas cores substituindo o preto, os neutros barrentos. Como uma homenagem à beleza do clima italiano, a nossa orientação é tornar as cores mais apropriadas não somente pata o verão, amas também no inverno. Como italianos da era fascista, nós devemos ter coragem para criar um novo tipo de roupa mais intimamente conectada com nossa paisagem, roupas que expressem mais vitalidade e que sejam projetadas para a alegria ao invés da melancolia (...) É na Itália que a nova moda mundial deve ser lançada”.
Um aspecto considerável é o forte apoio que a moda futurista recebe na década de 1930 por parte de Mussolini. Neste período aconteceu uma mostra de arte aplicada para desenvolver a indústria e a moda italiana, além da criação da Câmara Nacional de Moda, onde eram estimuladas a criação e o consumo da moda italiana. Neste período, a produção têxtil começa a se intensificar, se destacando no mercado pelo uso de materiais sintéticos, cores vibrantes e design inspirados nas visualidades das obras futuristas. É nesta década em que a moda apoiará com mais afinco a propaganda nacionalista do regime de Mussolini por meio de suas produções e manifestos. É nesse sentido que o programa totalitário se utilizará da moda como instrumento disciplinador do corpo social, em que tudo passou a ser controlado pelo Estado (ADVERSE, 2012, p. 148). Exemplo disso foi direcionado para a postura das mulheres, em que a “feminilidade” deveria ser preservada. Os cabelos curtos eram abomináveis e não condiziam com os padrões esperados, afora que isso era um rompimento com propostas da moda francesa de Chanel. Além disso, mulheres deveriam não deveriam apresentar uma imagem emancipada, mas sim, comprometida com valores familiares.
Desta maneira, percebemos que a moda-futurista buscou resinificar a prática cotidiana do vestuário acompanhada de um viés ideológico e político que se aproveitou desse instrumento parra instaurar um pensamento em uma sociedade. Isso faz do futurismo um pensamento extremamente potente, embora represente um retrocesso cultural extremamente significativo dada as limitações de criação impostas no período pelo totalitarismo e ideal conservador. De acordo com Angélica Adverse:
“O futurismo e o fascismo não compreenderam que a permanência de uma aparência só poderia se tornar uma cultura caso as expressões individuais fossem estimuladas pela autoconsciência de um passado próprio, seja este passado fundado pela memória coletiva ou preservado pelo próprio indivíduo. A liberdade do jogo lúdico das representações individuais seria o único elemento que poderia permitir preservar uma identidade nacional, como também configurar a face de uma nação.”
Em suma, o futurismo teve pontos extremamente significativos como a inovação em suas vestimentas, uso das cores mais intensificado, potencialização do mercado interno, valorização dos produtos têxteis italianos, quebra de padrões estéticos e tipográficos, rompimento com padrões hegemônicos entre outros. No entanto, cabe um olhar cuidadoso sobre a ideologia e os desdobramentos de suas propostas de cunho político, pois essas se fazem não apenas problemáticas, mas também, perigosas.